sábado, 20 de agosto de 2016

THE BEATLES - O ÚLTIMO DIA

Dia 20 de agosto - Sessões de gravações em Abbey Road, Essa foi a última vez que John, Paul, George e Ringo estiveram juntos em estúdio. Durante a sessão, John conseguiu o final abrupto de “I Want You (She's So Heavy)” literalmente cortando a fita de gravação, Em seguida os quatro Beatles ouviram as faixas do disco já na provável sequência do álbum. Tudo o que aconteceu naquele dia em Abbey Road, a gente confere somente aqui no nosso blog preferido nas palavras de Geoff Emerick, o engenheiro de som que estava lá o tempo todo.
Usamos o restante da semana para fazer a mixagem final e o sequenciamento. Apesar da presença da maioria dos Beatles ali a maior parte do tempo, tudo correu sem incidentes, até o dia em que tentamos encarar a canção “I want you (She’s So Heavy)”, de John. Lennon estava tão encantado com o ruído branco gravado por George Harrison em seu sintetizador Moog, que ele fez com que Ringo o complementasse colocando para funcionar a má­quina de vento que estava escondida no armário de percussão do StudioTwo. Enquanto estávamos na sala de controle mixando a faixa, ele começou a se tornar quase obcecado com o som. “Mais alto! Mais alto!”, ele ficava me implorando.“Eu quero que a música aumente, aumente, aumente”, explicou ele, “e então eu quero que o ruído branco assuma por completo e apague a mú­sica totalmente”.
Eu olhei para John como se ele estivesse louco, mas ele me não me deu atenção. Sobre meu ombro eu podia ver Yoko armando um sorriso tenso, seus pequenos dentes brilhando na luz. Sobre o outro ombro, eu podia ver um Paul inerte, sentado, desanimado, de cabeça baixa, olhando para o chão. Ele não disse uma palavra, mas sua linguagem corporal deixava claro que ele es­tava muito infeliz, não só com a música em si, mas com a ideia de que a música - a música dos Beatles, que ele considerava quase sagrada - estava sendo destruída com o ruído. No passado, ele teria dito alguma coisa, talvez apenas um diplomático “Você não acha que isso é um pouco demais, John?”. Mas agora Paul parecia muito abatido para discutir sobre aquilo com um Lennon radiante, que parecia ter um prazer quase perverso com o desconfor­to óbvio de seu companheiro de banda.
Para Paul, aquilo deve ter sido como “Revolution 9” de novo.John esta­va deliberadamente distorcendo a música dos Beatles, tentando transformar o grupo em um conjunto avant-garde ao invés de uma banda pop. Olhei em volta da sala. Ringo e George Harrison pareciam estar aceitando a ideia de lohn - eles estavam com os olhos fechados e se moviam de acordo com o ritmo. Era apenas Paul que se mostrava infeliz, olhando para o chão. Seu iso­lamento dos outros nunca foi tão evidente.
O ruído branco era um grande efeito, embora a maneira que ele se de­senvolvia me colocava no caminho errado, tanto sonora quanto esteticamen­te. Mas era a canção de John, e tinha de ser feita do jeito dele, não importava o que Paul ou eu ou qualquer outra pessoa pensasse. No entanto, apesar de toda a sua certeza sobre o conceito, John permaneceu indeciso até o último minuto sobre qual versão de “I want you”, ele ainda queria que eu mixasse - havia várias bases que tinham sido gravadas no Trident em abril, duas das quais tinham recebido overdubs. No final, Lennon pediu que eu editasse duas delas juntas: a emenda vem logo depois de seu último “She’s so... ”Foi como trabalhar em “Strawberry fields” de novo, mas dessa vez, felizmente, ambas as faixas estavam no mesmo tom e no mesmo andamento.
E depois havia a questão de como a música terminaria. Quando eles gravaram a base, os Beatles tinham tocado repetidamente, sem nenhuma con­clusão definitiva, então eu imaginei que eu teria que fazer um fade-out. Mas John tinha outras ideias, no entanto. Ele deixou a fita tocando e de repente, apenas vinte segundos, ou menos, antes da fita parar, ele deu uma ordem: “Corte a fita aqui”.
“Cortar a fita?”, perguntei, atônito. Nós nunca tínhamos terminado uma música daquele jeito, e um final abrupto como aquele não fazia nenhum sentido, a menos que a faixa fosse emendada diretamente em outra. Mas esse não era o caso aqui, porque já estava decidido que ‘I want you’ seria a canção que fecharia o lado 1 do álbum. Meus protestos não tiveram impacto algum sobre John; sua decisão era absoluta.
”Você ouviu o que eu disse, Geoff: corte a fita!”.
Olhei para George Martin, que simplesmente deu de ombros, então peguei a tesoura e cortei a fita exatamente no ponto indicado por John... E é dessa forma que o lado 1 do Abbey Road termina. Na época, eu pensei que ele estava fora de si, mas devido ao fator choque aquilo acabou sendo extre- mamente eficaz. um conceito de Lennon que realmente funcionou.
Durante as sessòes do Abbey Road, nunca me ocorreu que nós estávamos trabalhando no último álbum dos Beatles. Ninguém disse nada nesse sentido e. trancamente, a ideia parecia inconcebível para mim. Claro que eu percebi que eles estavam se distanciando e discutindo muito, mas eles também esta­vam ainda fazendo uma excelente música juntos... E certamente eles ainda eram um sucesso comercial. Mesmo em nossas conversas particulares, a única cosa que George Martin dizia era que ele não sentia que eles estavam dando 100% de si, não estava sendo mais como nos dias de Sgt. Pepper, mas isso era óbvio. Minha ideia era de que eles tirariam algum tempo de férias e resolve­ríam suas diferenças, e que dali a seis meses estaríamos de volta fazendo outro álbum. Eu tinha testemunhado em primeira mão os problemas que assolaram as sessões do Álbum Branco e ouvi histórias sobre o show de honores que foi Let it be, mas eles voltaram a fazer mais um bom trabalho, mesmo após essas experiências terríveis.
Talvez eu estivesse apenas sendo um pouco ingênuo, ou talvez simples­mente não quisesse acreditar que aquilo havia acabado. Mas se eu não tinha a menor ideia. essa estava prestes a me ser dada. Durante os últimos dois dias de trabalho no Abbey Road. todos os quatro Beatles estavam preocupados em examinar as provas de contato da sessão de fotos da capa. Paul, sempre o organizador cuidadosamente marcava aquelas das quais ele mais gostava e havia aquelas discussões sobre qual delas escolher. Cada membro da banda preferia uma diferente, mas todos eles pareciam querer uma foto deles saindo do estúdio, não indo em direção a ele. Isso mostrava quanto eles passaram a não gostar de estar lá.

Todos os quatro estavam presentes no final da sessão de mixagem do álbum Abbey Road e esta acabou sendo a última vez em que eles estiveram em um estúdio de gravação juntos, todos os quatro. Incrivelmente, a mesma mão invisível que me impeliu para a carreira da minha vida inteira como enge­nhenheiro de áudio garantiu que eu participasse da primeira verdadeira sessão de gravação deles... e também da última.

3 comentários:

João Carlos disse...

Esse livro é obrigatório. Desta vez, acho que Lennon acertou. O ruído de vento e o final inesperado deram um "toque" a mais na música.

Marcelennon disse...

Toda vez que leio algo sobre o fim da banda, mesmo já tendo lido outros zilhões de vezes, me dá uma angústia... Que pena que tudo tenha sido como acabou sendo...

Valdir Junior disse...

Mesmo vivendo os últimos momentos a banda conseguia, cada vez mais, romper os próprios limites.