domingo, 4 de dezembro de 2011

A INCRÍVEL VOLTA DOS BEATLES - SENSACIONAL E IMPERDÍVEL!

A INCRÍVEL VOLTA DOS BEATLES - Por John Weeks
Revista Playboy - agosto 1978
A segunda metade dos anos 1970, foi, sem dúvida, a época em que mais se especulou sobre uma possível volta dos Beatles. Ofertas milionárias para um show foram recusadas e os quatro ex-Beatles se recusavam sequer, a tocar no assunto. No entanto, essa “possível volta dos Beatles” despertava nas pessoas uma espécie de fantasia lúdica e todos se perguntavam sobre como os Beatles estariam se voltassem. Ainda seriam bons? Ainda teriam carisma? Revirando o baú, encontrei bem lá no fundo, essa verdadeira preciosidade. É um belíssimo (e longo!) conto, publicado na revista Playboy brasileira em agosto de 1978, e escrito pelo americano John Weeks. Para quem leu na época, ou guardou (como eu) é a aportunidade de reler e se emocionar novamente. Para quem não conhece, a hora é agora. Espero que gostem do tanto que eu gostei de rever e me lembrar dessa história incrível. Abração em todos e um ótimo domingo!
JOHN WEEKS, nem é preciso dizer, è fã dos Beatles. Quem, além de um admirador incondicional do conjunto made in Liverpool, chegaria ao extremo de escrever um conto em que se realizasse o sonho de os quatro Beatles se reunirem outra vez? John Weeks, apesar de sua verdadeira adoração pelos Beatles, não é inglês. É norte-americano e trabalha como redator e cartunista para a cadeia jornalística Gannett.
Este ano, enquanto sonha com a concretização do seu ideal, John Weeks espera a publicação do seu primeiro romance, The Waste and the Wychynood. Além da literatura, John Weeks dedica suas horas de lazer à pintura, à fotografia, ao beisebol, à música e... aos Beatles. Diz Weeks que escreveu este conto como uma réplica aos muitos críticos e comentaristas do mundo pop que afirmavam que uma reunião dos Bea­tles não conseguiria ser mais do que uma profunda decepção, já que depois de tantos anos separados os Beatles não seriam tão "bons" quanto a imagem que os fãs têm deles. A isso, Weeks responde: "Uma reunião dos Beatles seria um acontecimento trans­cendental, emocionante, intenso e co­movente. Tecnicamente eles poderiam estar ótimos ou fracos, mas ainda assim seriam os Beatles e isso é uma grandeza além do bom e do ruim".
Amanhecia. Fazia frio e o nevoeiro envolvia tudo. Os carneiros baixavam a cabeça, irrequietos. Dois vultos cruzaram o pátio da fazenda escocesa esgueirando-se estranhamente, como criaturas recém-saídas de um pesadelo, obscuras na cerração, o couro das botas sorvendo a lama levemente. Com o rosto ainda afogueado pelo calor da lareira que acabara de acender, Paul McCartney vinha sentar-se com a família para o café da manhã. O vapor cobria as vidraças das janelas. Subitamente, a porta da cozinha se abriu e dois negros entraram rápidos, revólveres em punho.
Bom dia, Paul! – disse um deles aproximando-se. McCartney, chiando de raiva, ameaçou se erguer, mas diante dos movimentos do revólver, voltou ao assento. As crianças estavam paralisadas de medo, de olhos arregalados, bochechas cheias de pão com manteiga. Linda apertava a colher de chá entre os dedos pálidos. – Calma! – disse o estranho. Foi para trás de McCartney e encostou a boca fria do revólver na sua nuca. – Por favor, Paul, não se mexa nem um pouquinho. O segundo homem passou por trás de McCartney, e, mantendo a arma na mão esquerda, enfiou a direita no bolso do casaco e tirou uma seringa já preparada, carregada de um líquido opaco. Arrancou com os dentes o protetor da agulha e atravessando a camisa e a pele. injetou-a no braço direito de McCartney. Paul começou a perder a consciência quase em seguida, mas ainda ouviu um dos homens dizer a Linda, numa voz tão polida que parecia uma gozação: - Sei que também canta, Sra. McCartney. Adoraria ouvi-Ia... brevemente...
Era meia noite em Nova York, e John Lennon estava bêbado. Estava chegando em casa. Com os olhos se-micerrados, apertou o botão do eleva­dor. Quando este desceu, e as portas se abriram, entrou. Antes que se fe­chassem, porém, um braço se interpôs, seguido do corpo de um negro, vestido à paisana.
- Bem vindo a bordo! - exclamou Lennon alegremente, com um sorriso embriagado dominando seu rosto. O estranho deu-lhe as costas. Enquanto o elevador subia, Lennon cantarolava consigo mesmo, até que falou, inesperadamente:
-Tem um baseado aí, pessoinha? O estranho resmungou qualquer coisa como resposta, enfiou a mão no casaco, voltou-se e puxou rapidamente - um revólver.
Lennon fitou a arma por um mo­mento, piscando os olhos de coruja por trás dos pequenos óculos redon­dos. Depois caiu na gargalhada, divertindo-se a valer.
- Do que vamos brincar? De mocinho? De bandido? No Oeste ou na CIA? Goo goo goojoob! O elevador chegou ao seu destino e as portas se abriram. O estranho, com o revólver apontado para Lennon, apertou o botão para o térreo. As portas se fecharam e o elevador tornou a descer. Com extrema rapidez, o estranho empurrou Lennon para um canto, forçou-o a se ajoelhar, tirou do bolso uma seringa e espetou-lhe a agulha no braço. Lennon berrou algo incompreensível, fez uma careta para o homem, friccionou o braço e caiu de cara no chão. Quando o elevador parou, foi rapidamente arrastado para fora do prédio e jogado dentro de um carro que esperava. Ali, desfaleceu tal qual um morto, sobre o banco.
Fazia frio e o céu estava claro em Los Angeles. A lua estava grande e luminosa. Uma viração agitava as palmeiras, tornando-as ameaçadoras como foices. Três negros, à paisana, distribuíam panfletos a transeuntes numa das esquinas do La Cienega Boulevard.
George Harrison e Ringo Starr, abotoando suas jaquetas, deixavam um restaurante e subiam pelo La Cienega. Ao chegarem à esquina, os propagandistas se acercaram, oferecendo panfletos. Harrison apanhou um distraidamente, sem olhar para ele.
- Leia, por favor... - pediu um dos homens, passando à sua frente. Os outros dois aproximaram se e se colocaram atrás de Harrison e Starr. Starr observava atentamente... Harrison leu a mensagem rabiscada com violência sobre o panfleto, e empalideceu. Passou o papel a Starr.
A mensagem dizia: "Fiquem calmos. Tem dois revólveres apontados para vocês. Acompanhem a gente e se comportem com naturalidade".
Os cinco agruparam-se e foram se afastando do bulevar La Cienega, os três estranhos fingindo uma conversa animada para afastar suspeitas. En­traram por uma sombria passagem de serviço e desapareceram da visão de quem passava na rua.
Harrison e Starr foram empurrados contra o lado de um carro grande, visível apenas pelos cromados. Harrison, lento e passivo, não esboçou reação alguma. Starr, no entanto, inesperadamente, irritou-se: - Bicha! - gritou, e investiu contra o raptor que estava atrás dele. A resposta veio imediata. O homem desviou-se, passou o braço em torno do pescoço de Starr e comprimiu o cano do revólver na sua garganta. Ringo desistiu, sussurrando uma promessa de vingança. Harrison soltou um suspiro profundo e olhou para longe.
Os dois reféns foram enfiados no banco traseiro do carro. Obedecendo ordens, tiraram as jaquetas e arregaçaram as mangas das camisas. Um dos homens, com uma seringa, picou o braço direito de Harrison. Antes que a lucidez o abandonasse totalmente, ele pôde ouvir Starr praguejando em voz baixa e compassada.
Os Beatles acordaram quase que ao mesmo tempo. Haviam dormido em camas de solteiro, alinhadas lado a lado ao longo da parede de um quarto grande. Por pouco tempo, ficaram calados, agitando-se, piscando e entreolhando-se, observando o quarto.
O primeiro acordar foi John, que começou a rir, apesar da dor de cabeça que estava sentindo.
- Cá estamos, bonecas, todas em fila. Olá todo mundo. Ringo ergueu-se devagar, apoiado num dos cotovelos. - O quê vocês acham que está acontecendo? - Droga, era só o que eu gostaria de saber - resmungou Paul, sentando-se e jogando as cobertas para longe. - Será que existe um telefone por aqui?
Não. Não havia telefone. Não havia nada no quarto, exceto as camas, um armário com gavetas e quatro cadeiras de madeira. Todos alinhados contra uma parede. O resto do vasto cômodo estava vazio, nada cobria o soalho frio de madeira. O quarto era antigo e desgastado, com enfeites de madeira e gesso esculpido de estilo vagamente espanhol. O gesso apresentava rachaduras e falhas em muitas partes, e no ar pairava um forte cheiro de mofo. O encanamento, há muito tempo pintado de branco, corria exposto e enferrujado por todo o teto elevado. Havia três portas no quarto: uma principal, na parede oposta à das camas, e uma menor em cada parede lateral. Uma destas portas pequenas estava aberta, revelando a banheira, uma privada e a pia, todas grandes e fora de moda. A outra estava fechada, como a principal. Ringo verificara. A janela que ficava acima do armário junto da cama deixava entrar a única iluminação possível naquele quarto - a luz do dia. A janela fora obstruída, pelo lado de dentro, com grade de aço reforçada, e, por fora, com ferro batido ornamental. Mesmo assim, oferecia um panorama que Ringo tentava reconhecer. - Parece que voamos para muito longe... muitas palmeiras, mas as ruas não se parecem com as de Los Angeles. Estou achando que estamos no México. - Vocês estão em Nova Orleans - anunciou imprevistamente uma voz estranha. Os quatro Beatles voltaram-se, surpresos.
A porta lateral, antes trancada, fora aberta e dava passagem a uma figura - um negro á paisana. Paul logo o identificou como um dos dois invasores de sua fazenda na Escócia. O homem segurava uma arma. Entrou, pegou uma das cadeiras junto à parede, arrastou-a e sentou-se de frente para as quatro camas. Fez um gesto para que Ringo retornasse a seu lugar. Sorriu com amabilidade e repetiu com voz mais cordial: -Vocês estão em Nova Orleans. Um lugar maravilhoso, eu acho. Fez uma pausa. - Tenho umas coisinhas para dizer, mas não vou tomar muito tempo de vocês, pois têm muito trabalho pela frente. O armário ali é para todos. A gaveta de cima é sua, Paul, a outra é de John. A seguinte, de George, e a de baixo, do Ringo. Vocês vão encontrar uma grande variedade de roupas íntimas, bem como uma muda de calças e camisas. Tamanhos exatos, naturalmente. Infelizmente, porém, deverão usar seus próprios sapatos, que, aliás, estão debaixo da cama de cada um. No banheiro há muitas toalhas para todos. Paul, inquieto, tentou interrompê-lo, mas o revólver e um lento sorriso convidaram-no a se calar. O homem continuou: - "Muito bem", vamos ao que interessa - e olhou em direção à porta pela qual entrou. - Preparamos um pequeno estúdio na sala ao lado. Há guitarras, baterias e um piano, bem como gaitas, entre outras coisas. Contudo, não há amplificadores. Vocês podem se virar sem eles. Há, também, roupas para show - todas com a marca registrada - e sob medida, posso garantir. Espero que gostem delas, são muito elegantes. Ah, sim, e idênticas - exceto no tamanho. Exatamente como nos velhos tempos, não é mesmo? Fez nova pausa, e sorriu radiante. Os quatro estavam silenciosos, agitados, olhando fixamente para o homem e a arma que ele segurava sem esforço. Ele continuou: - Amanhã à noite, às 8, vocês vão fazer um show no Superdome. Este show deve consistir de quinze músicas, no mínimo, e ter a duração de pelo menos uma hora. Sem intervalo. Quanto às músicas a serem escolhidas, não há discriminação, desde que sejam exclusivamente suas. A escolha fica a cargo de vocês, com exceção disso. Mas lembrem se, por favor: pelo menos quinze musicas. No mínimo, uma hora. Paul xingou, veemente, e começou a se levantar, com o rosto bem vermelho. O homem apontou o revólver. - Por favor - advertiu ele -, você tem que pôr na cabeça um fato simples e óbvio. Vocês são prisionei­ros e correm perigo. Devem concordar com tudo que lhes for solicitado, do contrário as consequências serão imediatas e catastróficas. Tanto para vocês quanto para as pessoas que vocês amam. Não se trata de um jogo, de uma brincadeira. Vocês são reféns à minha mercê. Ninguém sabe ao certo onde vocês estão. Até mesmo as desagradáveis circunstâncias do seu desaparecimento são desconhecidas, nem sequer suspeitadas - a não ser no caso de sua família, Paul. Mas a Sra. McCartney e os filhos também estão sob nossa custódia. Não, não precisa se alarmar. Eles estão muito bem. E de certa maneira têm realmente muita sorte: assistirão ao show num dos melhores lugares.
- Pra quê que é esse show? - exaltou-se Paul, mas procurando se controlar. - Quem está por trás disso? O homem respondeu amigavelmente, com sorriso cordial:
- Vocês. Vocês, naturalmente. Trata-se de um show dos Beatles. - Não foi isso o que Paul quis dizer - desfechou George. - Quem são vocês? Quem são os outros? Quem é que vai acabar lucrando com esse negócio?
- Ah... mas isso eu não posso contar, sinto muito. - E acrescentou: - Em compensação, posso contar detalhes importantes a respeito do show. Está sendo bolado de uma forma inédita e surpreendente. Não haverá conexões de TV para circuito-fechado, não haverá filmagens para um futuro filme, e nem gravação para algum disco futuro. Será um show — isso e nada mais. Simples, não? E garanto que os ingressos serão vendidos pelo preço mais baixo possível. O homem recostou-se e riu com toda a naturalidade.
- Acho que vocês se orgulhariam se soubessem da repercussão lá fora. Desviou o olhar para a janela. – A divulgação foi iniciada ontem e o resultado deu numa comoção geral. Podem acreditar que é verdade. Vejam só...
Enfiou a mão no bolso interno do paletó e tirou a primeira página dobrada de um jornal e o jogou aos pés da cama de Paul. Levantou-se.
- Tudo está acontecendo bem depressa. De fato, não há tempo a perder. E vocês deveriam começar os ensaios imediatamente. Têm apenas hoje e amanhã - e só a luz do dia para trabalhar, pois não há energia elétrica por aqui. Aproveitem a noite para dormir bem. A falta de tempo é realmente atroz, não é? Por sinal, há quanto tempo não se apresentam juntos? Bem, não interessa. Afinal, vocês são profissionais — e nisso podemos confiar.
Andou até a porta principal, pegando uma chave do bolso da calça. - Procurem não se preocupar com o aspecto desagradável desta situacão... me refiro às ordens indis­cutíveis, entendem? Desde que sigamo nosso pequeno e simples joguinho, tudo terminará maravilhosamente para vocês e para todos os que estão metidos nisso. Afinal de contas, ninguém está torturando vocês, não é? Pedimos apenas que realizem este show - coisa que sabem fazer muitíssimo bem. E que já poderiam estar fazendo, de livre e espontânea vontade, e ao mesmo tempo se divertindo. A propósito, por que se negaram a novas apresentações? Orgulho, não é mesmo? Ora. que importa! Saiu, e a porta fechou-se por trás. John recostou a cabeça no travesseiroe sorriu com ironia:
- Meus amigos, não vamos fazer esse show, não.
- John - implorou Paul -, eles estão com Linda e as crianças! Temos que pensar numa saída.
- Acredita mesmo que vão apagar os Beatles, com família e tudo? Seria um excesso, não seria? E depois eles poderiam acabar com a gente tanto antes como depois do show. - Pelo amor de Deus. não diga isso - gemeu Paul. - Que diabo! O que é isso? Quem são esses sujeitos? Por acaso não estaremos levantando um capital para alguma organização terrorista? Seria fantástico... BEATLES TOCAM EM BENEFÍCIO DAS BOMBAS...
John prendeu a respiração e começou a cantar, baixinho, pelo nariz: "Yuh say Yuh wanna revolution, well, Yuh know..." Fez-se um silencio penoso. Paul, de olhos parados, suspirou, desdobrando preguiçosamente o jornal sobre sua cama. Era um exemplar do International Herald Tribune, e a manchete da primeira página atraiu sua atenção: OS BEATLES JUNTOS OUTRA VEZ! Logo abaixo, grandes fotos dos quatro e a história:
"NOVA ORLEANS - Pela primeira vez, após mais de sete anos de ausência, os Beatles irão se apresentar juntos, na quarta-feira à noite, no Superdome, estádio com capacidade para 80 mil pessoas. Os quatro Beatles - John Lernnon, 36; Paul McCartney, 35: George Harrison. 34; e Ringo Starr, 36 - segundo informações, isolaram-se em local ignorado, nos arredores de Nova Orieans e preparam-se para o show. A surpreendente divulgação do acontecimento, feita por um não identjficado porta-voz do grupo, provocou uma verdadeira corrida mundial de caça aos ingressos. Os Beatles, geralmente considerados o maior conjunto de rock e um dos maiores sucessos da história da música, dominaram a música popular e grande parte da cena cultural de 1964 a 1970. quando então se separaram. Recentemente, fizeram-se inúmeras tentativas para induzi-los a voltarem a se reunir - incluindo-se ofertas de até 50 milhões de dólares! - Nos últimos meses, rumores de que se reuniriam outra vez receberam intensa publicidade. Os próprios componentes do conjunto, entretanto, mantiveram-se inflexíveis a quaisquer ofertas. Os quatro - cada um deles, desde o momento do rompimento, fez sucesso sozinho - declararam ser a reaproximação definitivamente impossível. O motivo que abalou esta posição dos Beatles continua sendo um mistério. O porta-voz do grupo, que divulgou detalhes do show numa declaração breve e lacônica, recusou-se a se identificar aos repórteres e a responder a qualquer pergunta. Na curta entrevista concedida à imprensa, dada no Press Club de Nova Orleans, não foi permitida a presença de fotógrafos. Representantes dos Beatles em Nova York e Londres, e funcionários do Superdome, confirmaram a apresentação, mas insistiram em não fornecer maiores detalhes. Todas as tentativas de se localizar Yoko Ono e Linda, respectivãmente mulheres de Lennon e McCanney, foram frustradas, deixando margem para a hipótese de que estariam em reclusão na companhia de seus maridos. A garota de Ringo Starr. Nancy Andrews, afirmou em Los Angeles que estava espantada pelo seu desaparecimento. "Ele simplesmente sumiu", declarou ela - "Telefonou pra dizer que estava com os outros, que iam fazer um show. mas não disse mais nada". A apresentação, com início marcado para as 20 horas (hora oficial) da quarta-feira, no Superdome, será a única", disse o misterioso porta-voz. É curioso notar que se fixaram os preços a 2 dólares por pessoa - bem abaixo da média cobrada até num show sem superastros. 'Eíes devem estar fazendo isso por pura bondade, observou o em presário Bill Sargent de Los Angeles, que certa vez lhes oferecera a quantia de 50 milhões de dólares por uma única apresentação. Igualmente notável é que se restringiu a venda dos ingressos à bilheteria do Superdome, na base do quem chega primeiro, leva primeiro. Imediatamente depois da divulgação da noticia, um grande número de pessoas acumulou-se em torno do Superdome. Cerca de 100 mil pessoas passaram a noite toda em fila. na disputa dos 80 mil ingressos - que somente serão vendidos na manhã da quarta-feira. A venda foi limitada a dois ingressos por pessoa. Autoridades e celebridades do mundo inteiro manifestaram vivo interesse em assistir ao show, e, segundo se sabe, muitas delas enviaram agentes a Nova Orleans na esperança de obter ingressos. Conforme um porta voz da Casa Branca, o presidente Jimmy Carter solicitou algumas reservas, mas, devido às notícias controvertidas e ao método incomum da venda dos ingressos, decidiu cancelar seu comparecimento. "Outras celebridades, no entanto, passaram a noite em claro entre a multidão em volta do Superdome - in­cluindo a antiga primeira dama do Canadá, Margaret Trudeau, o ator de cinema Dustin Hoffman, os cantores John Denver e Art Garfunkel, o ex-senador da Califórnia, John Tunney, a jornalista Shana Alexander e o roman­cista Norman Mailer. Estes últimos declararam que planejam escrever um livro sobre o evento, que Mailer denominou como “o concerto do século”. A grande maioria, porém, provinha dos arredores de Nova Orleans. Logo após as primeiras notícias divulgadas pelo rádio, milhares de pessoas afluí­ram ao gigantesco estádio. Houve engarrafamentos de trânsito em toda a área que circunda o estádio, e mobilizaram-se centenas de policiais. Formou-se um posto de comando durante a noite toda para o controle da massa. Há notícias de retardatários ofere­cendo grossas somas de dinheiro - até 2 mil dólares - em troca de lugares estratégicos na fila. Uma dessas ofertas, sabe-se, foi rejeitada. Rick Milton, 27 anos, o primeiro da fila, relatou que "um sujeito com cara de árabe" lhe oferecera 2 mil dólares para que cedesse seu lugar. 'Eu disse pra ele ir pro inferno. Tive uma bruta sorte de ser o primeiro!, exaltava-se Milton, motorista de táxi em Nova Orleans. "Eu estava dirigindo meu carro aqui por perto, quando ouvi a notícia pelo rádio. Estacionei logo e corri direto para a bilheteria. Venci a corrida por dois minutos!"
O texto estendia-se descrevendo a carreira dos Beatles, a separação e as consequências. Os quatro amontoavam-se sobre o jornal na cama de Paul. George olhou fixamente para Ringo e perguntou: - Que história é essa de telefonar para Nancy? - Ah, isso...vacilou Ringo - foi muito esquisito. Aconteceu há bastante tempo. Quer dizer, não sei há quanto tempo, exatamente. Não sei quanto tempo a gente ficou fora de órbita. Bem, eles vieram, me acordaram e me levaram até um telefone, eu tinha que dizer o que eles queriam. Eu disse, me trouxeram de volta e me doparam de novo. - E, dirigindo-se a John, acrescentou: - Sabia que eles pegaram Linda e Yoko também? Eles me falaram sobre isso.
John estava ouriçado. - Já sei o que a gente vai fazer. A gente vai fazer uma versão de uma hora do Cold Turkey. É o que isto parece: entramos numa fria, numa barra pesadíssima. Silêncio. George foi à janela e ficou olhando para fora. Ringo andava passo a passo pelo quarto. John e Paul continuavam na cama. Paul disse, então, com desespero: - Lembra-se das ordens? Quinze músicas. Músicas dos Beatles, não aquela merda do John Lennon. - Ah, mas você é o especialista em merda, não é? - explodiu John. - Veja só em que fresco de merda você se transformou nos últimos oito anos! Paul forçou um sorriso: - Mas pelo que sei, John, vendi alguns discos a mais que você! John deu de ombros: - Ora, que diferença faz! Somos todos uns merdas, mesmo. Sou o Change the World de merda, você o Valentine"s Day de merda, e o George o Deva Dip de merda...
Subitamente, do outro cômodo veio um rufar de bateria. Ei! - convocou a voz de Ringo. - Eu ainda sou ótimo! Azar de vocês, seus merdas! Por um longo e vazio instante, os três encararam-se... por fim, caíram na gargalhada, e correram para a sala ao lado. - Bem-vindos ao único show dos Beatles - disse Ringo, sorrindo com malícia. - Quem gostaria de se submeter a um teste? Sorridente, Paul sentou-se ao piano e dedilhou as teclas. Ringo ajeitou-se atrás da bateria. John e George se entreolharam e então elevaram os olhos aos céus. John xingou. E ambos pegaram as guitarras.
Passava das 8 horas da noite de quarta-feira no Superdome, em Nova Orleans. Oitenta mil pessoas ocupavam seus lugares, expectantes, envolvidas num suspense que exprimia duplamente ansiedade e dúvida. Murmurava-se, havia pouco movimento, apenas uma intensa respiração controlada, no ar a opressão semelhante à que antecede uma tempestade.
Nenhum mestre de cerimônia, nenhum apresentador, nenhuma palavra de boas vindas. No meio do gramado vazio, um palco vazio. Sobre ele, cravados 80 mil corações, 160 mil olhos. De repente, uma certa agitação de um dos lados do estádio; em seguida, alguns gritos; pouco depois, mais gritos, e mais, mais, gritos. Os olhos, todos, voltaram-se, e viram... e então... Pandemònio! Os Beatles entravam e caminhavam para o centro do campo.
Oitenta mil pessoas puseram-se de pé, ergueram os braços e gritaram alucinadamente. Seus brados lembravam mais o choro que a saudação, como o êxtase dos amantes que se reencon­tram depois de longa separação. Foi uma ovação magnífica e como­vente... crescia, inchava, irrompia como um terremoto entre montanhas, como trovões enfurecidos infinita­mente. Há quanto tempo - há quantos anos - não se ouvia esse som sobre a face da terra?
Esplêndidos em suas roupas idênticas, os Beatles continuavam em direção ao palco improvisado. Andavam rapidamente - e de cabeça baixa, propositadamente. Apenas uma vez Ringo olhou para o alto, sorriu maliciosamente e acenou. Pandemônio!
Subiram no palco, apanharam os instrumentos. Um momento breve de acomodação, afinação, sincronização... Pausa. E pela primeira vez olharam, juntos, para a audiência. Entreolharam-se, e após ligeira contagem começaram a tocar.
A primeira música, do último álbum antes da ruptura: Two of Us. "Two of us riding nowhere, spending someone 's hardearnedpay. . . You and l have memories, longer than lhe road lhal stretches out a head." Uma música viva. E Paul e John a cantaram bem. Juntos. Em se tratando de abertura de show, porém, não deixava de ser uma estranha escolha. Não chegara a ser uma música popular. Entre a plateia, não restava dúvida, muitas pessoas sequer a tinham ouvido. Os que conheciam bem o álbum logo perceberam - assim que a segunda e a terceira músicas foram executadas - que os Beatles estavam reeditando aquele álbum, música após música, nesta ordem: Two of Us, Dig a Pony. Across The Universe, I Me Mine, Dig It...
Era mais que intrigante. Eram músicas dificilmente identificáveis, pouco populares, algumas delas francamente ruins. Agora ainda mais intrigante, omitiram a próxima música dentro da sequência, o clássico Lei It Be, e passaram ao gritante equívoco de Paul McCartney, I’ve Got a Feeling.
Tocavam corretamente, ensaiaram bem as músicas e as executavam com precisão técnica. Alguma coisa, porém, saía errada. Seus rostos estavam limpos de qualquer expressão. Nenhuma animação, nenhum sinal dos bons tempos, nenhuma resposta autêntica à audiência apaixonada.
E por quê? Por que insistiam naquela estranha sequência? Por que teriam eles omitido a música das músicas, tão adequada, tão popular e tão gratificante? Lei It Be, fora uma espécie de refrão, um lema, um hino empolgante nas reuniões dos Beatles. Permanecera viva na memória de todos os que sonharam com este momento. Let It Be... seria uma abertura sensível e sensacional, ou constituiria um renascimento triunfante após uma abertura anêmica. Mas desviaram-se do seu caminho, e a omitiram. Tocavam as piores músicas dos piores dias de toda sua carreira, intencionalmente, descaradamente. No melhor dos casos, enrolavam a multidão. No pior, escarneciam, desdenhavam, insultavam.
Alguém percebia isso?
Alguns, talvez. Escritores, críticos - provavelmente. Mas a maioria maciça ignorava quebra-cabeças, entrava em êxtase, em estado de graça. Aqueles eram os Beatles - Os Beatles reais diante deles - eles, um campo de braços erguidos, um imenso oceano ondulante de vozes erguidas, suspenso, inexorável, irresistível.
Irresistível!
Subitamente, um passe de mágica pareceu transformar os Beatles. A música, One After 909, ainda na sequência do último álbum, mas na verdade uma velha música, composta nos primeiros anos da carreira e só tornada pública nos dias derradeiros. Era um aviso. Alguma coisa vinha do passado para provocar, agradavelmente. E com o poder de desembaraçá-los, livrá-los da estratégia de manter aquela estranha reserva.
Um rock rápido, simples e estimulante. E John e Paul o cantaram com vigor, e quanto mais a música chegava ao fim, mais eles se envolviam, dobrando-se sobre os microfones, cantando de corpo e alma. “I Said, move over once, move over twice, come on baby, don’t be cold as ice...” Terminaram com um floreio de guitarras e braços, trocaram olhares e sorriram satisfeitos. George jogou um aceno maroto à audiência. Ringo sorria radiante, como um príncipe do rock que retorna ao seu trono.
O estádio explodiu em aplausos. Ringo debruçou sobre a bateria e atraiu a atenção de George. Trocaram palavras rápidas e sussurradas. George aquiesceu, levantou a guitarra e com um solo atacou o velho clássico Day Tripper. Quebrou-se a sequência. E a multidão delirou. John e Paul confundiram-se por alguns segundos, procurando, atrapalhados, os tons certos, e por fim juntaram-se ao acompanhamento. Ringo sacudiu a cabeça no ritmo. Paul cantou – ou melhor, berrou - triunfantemente. Got a good reason! For taking the easy way out'. Mal ensaiados, produziam uma barulheira infernal, mas estavam magníficos. Engrenavam, à toda.
Tudo aquilo era uma loucura, rui­dosa e maravilhosa. Tocavam impulsivamente, música após música. Não havia estratégia alguma agora. Tocavam, tocavam e balançavam, dançavam, e atualizavam as velhas e famosas poses. Cantavam, esgoelavam-se, brincavam com a plateia.
- Agora, queremos tocar uma música - disse Paul. - O título é... Socorro!... e é isso aí mesmo que eu quero dizer... Socorro! Socorro! Socorro! E cantou em falsete. Aquilo era uma piada, e ninguém pegou. . . que diabo!
Continuaram por hora e meia, duas horas, duas horas e meia, e tocaram de tudo. She Loves You, I Want to Hold Your Hand, A Hard Day's Night, Michelle, Yellow Submarine, um lado inteiro do Sgt. Peppers Lonely Hearls Club Band, Penny Lane, Magicai Mistery Tour, e outras mais, escolhendo o de melhor, o mais popular, as músicas de primeira linha. Vinham as recordações de fazer perder o fôlego de todos aqueles dias tão estranhos, excêntricos, vivos e maravilhosos – os dias dos Beatles -, quando as lojas da Carnaby Street eram alegres e brilhantes, quando as crianças espalhavam flores por toda Haight, quando as belas enfermeiras vendiam papoulas em tabuleiros e os bombeiros fugiam da chuva torrencial em Penny Lane. Os Beatles esqueciam palavras, erravam nas notas. Era maravilhosa¬mente terrível, terrivelmente maravi¬lhoso. O caos. A multidão arreba¬tada, perdendo as mãos. as vozes, as cabeças.
O show já durava quase três horas. E aí, sim: Lei It Be. A multidão foi se acalmando, silenciando, escutando o canto de Paul. And when the broken hearted people living in lhe world agree, there will be an answer… let it be…
Terminada a música, baixaram os instrumentos, avançaram lado a lado e curvaram-se à audiência, e curvaram-se novamente, e novamente se curvaram. A ovação não tinha fim. Nem nunca teria. Oitenta mil pessoas de pé, aclamando, agradecendo, querendo mais e muito mais, num clamor entusiasmado e indescritível.
Retomaram seus lugares. Ao piano. Paul cantou: Hey Jude, don't make it bad, take a sad song and make it better... A música acabou com aquele refrão curto, familiar e persistente, ora crescendo, ora baixando, novamente crescendo, a quatro vozes. Na... na, na, na, na, na, Hey Jude... É uma canção de sete minutos, mas dessa vez parecia interminável, infinita, excelente.
Repetiram o refrão, repeliram, repetiram e repetiram, o piano, as guitarras, a bateria, as vozes soando harmoniosas numa cadência hipnotizante. Oito minutos, nove minutos... cantavam alegres, e de corpo e alma. Um transe prolongado e hipnótico, e os Beatles e as 80 mil pessoas deixavam se tra­gar por ele. As oitenta mil pessoas cantavam junto, balançavam-se ao ritmo ombro a ombro, para a frente e para trás, um mar de ondas huma­nas, seus corpos e almas se elevavam, os olhos brilhando com as lágrimas de satisfação. Sim, oitenta mil pessoas choravam, os corações quase partidos pela imensa alegria. Mais de 80 mil. Havia mais quatro. Eles também choravam, as lágrimas desciam abundantes enquanto cantavam. Era quase insuportável, bom demais. Era a Beatlemania. De novo.
Mais tarde, nos seus camarins, John, Paul e George descansavam despidos. Ringo estava ausente, dissera que precisava ir ao lavatório. Um negro à paisana adentrou abruptamente, entregou em mãos três envelopes e retirou-se. Cada envelope continha um cheque nominal no valor de 40 mil dólares, assinado pelo organizador, e um bilhete manuscrito com a mesma assinatura. Paul leu seu bilhete em voz alta, e aos poucos seus olhos se arregalaram, com espanto. "Querido Paul, espero que não se zangue comigo. Eu queria fazer isso e só tinha de ser assim. As armas estavam descarregadas. Aqueles sequestradores são uns gorilas que aluguei numa agência de modelos. Eles não iam te maltratar. Essa história me custou minha parte e algo mais pelos gorilas, aviões, a casa. o estádio e todo o equipamento. Você pode ver que não fiz nada por dinheiro. Fiz por amor. Sempre amei os Beatles, você sabe. Amor. Do seu velho chapa, Richard L. Starkey." Os três olharam-se surpresos e juntos deixaram escapar uma palavra: - Ringo!

7 comentários:

LUCY DIAMOND disse...

Muito bom! Como sempre, Edu. Pq vc não está mais atualizando o blog todo dia como antes? Algum problema? Enjoou de "nóis"??? Beijão! M.L.V.

evelize disse...

Lindoooooooo demais adorei e me emocionei...aí que vontade de ser real e eu estar entre essas 80 mil pessoas(só por uma noite).

João Carlos disse...

Muito bom o achado.Especialidade do Baú.Sempre incomparável.Agora o fanzoca diminuir I've Got Feeling" é dose. E malhou o album Let It Be .Across...,The Long...,Dig A Pony,I Me Mine ? Coisa de Zé.

Edu disse...

Nunca, Lucy! As coisas andam difíceis, mas it's getting better all the time, baby! Valeu!

Ana Lucia disse...

Adorei a historia , boa de fazer os filhos,sobrinhos,netos, etc. virarem beatlemaniacos! kkkk
Enfim, obrigada por compartilhar com a gente!

Marco disse...

Bela história. De certa forma cada um de nós, um dia, teve a vontade de transformar histórias em verdades. Esse maluco conseguiu. Talvez um dia eu também consiga, afinal ninguém nunca me disse que os sonhos não são de verdade.E se alguém disser, eu não vou acreditar.

Alexander (Magic) disse...

Gostei! Muito! Obrigado amigo, por sempre me lembrar de coisas que ficaram no "Baú da lembrança" e agora, em "2o12" vc resgata fazendo a gente voltar no tempo. Sensacional! Eu me lembro!