quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

JOHN LENNON - A MORTE DE UMA GERAÇÃO


No centro de Nova Iorque, um louco assassina o mais famoso dos Beatles, autor das canções que fizeram a cabeça da juventude dos anos 60.

John e Robert Kennedy, Martin Luther King – John Lennon, que direta ou indiretamente denunciou a violência do mundo em suas canções, talvez nunca imaginasse que terminaria um dia na lista do American Way Of Death, assassinado a tiros. Entre os superstars do rock houve sempre os perdedores natos, gente como , Jimi Hendrix, Janis Joplin, Brian Jones que, apesar (ou por causa) da fama, acabou se consumindo num círculo de drogas e autodestruição. Lennon não se enquadrava nessa categoria e – excetuados alguns grilos, normais entre os jovens de sua geração – amava a vida e se apegava obstinadamente a ela. Seu grande sonho foi transformar a sociedade, não através de uma revolução ou de um movimento político, mas pela simples força de suas canções. E, mesmo depois de sua famosa declaração de 1970 – “O sonho acabou” -, Lennon continuou batalhando e compondo músicas. Mesmo ironizando ou criticando os tempos absurdos que estamos enfretando, suas músicas possuíam uma vitalidade incrível e eram, em certos casos, verdadeiros hinos de amor e de celebração da vida.
A ascensão dos Beatles destruiu seu primeiro casamento, com Cynthia, uma jovem tranqüila. Ao centro, com o filho que os dois tiveram, Julian, numa foto de 75. Acima, Lennon e Yoko com seu filho Sean, em 76, nas vizinhanças do edifício Dakota, diante do qual o cantor foi brutalmente assassinado. John, George, Paul e Ringo no auge da fama, em meados dos anos 60. Os Beatles são o grupo que mais discos vendeu no mundo: 100 milhões de LPs, até fins de 78.
A foto da capa do últmo álbum de John, gravado após cinco anos de silêncio. O disco é uma celebração conjugal do ex-Beatle com Yoko Ono.
Em 1970, numa de suas fases politicamente mais ativas. John Lennon e Yoko Ono cortaram suas madeiras numa cerimônia em Londres, apoiando o líder do Poder Negro Britânico, Malcom X.
“Eu acabo de atirar em John Lennon”, disse o assassino, jogando a arma na calçada. Há dias ele vinha seguindo o cantor. Uma da ironias mais cruéis na morte de John Lennon é que o ele lutou durante cinco anos (de 71 a 76) com a justiça americana para obter o direito de residir em Nova Iorque, em cujas calçadas iria acabar sua brilhante trajetória. Há quem veja em tudo isso uma escrita, os sinais de uma maldição com um toque à la Polanski: quando comandou a chacina de Sharon Tate, em 1969, Charles Manson alegou-se inspirado pela letra de uma das canções dos Beatles, Helter Skelter, em que ele podia ver um verdadeiro hino do Apocalipse. O edifício de Nova Iorque onde Lennon morava – o famoso exclusivo Dakota – serviu de cenário para o sinistro Bebê de Rosemary, de Roman Polanski. Todo tipo de interpretações não vai faltar para a sorte trágica do mais famoso dos Beatles, como não faltaram versões, no final dos anos 60, quando se espalharam irresistivelmente, pelo mundo inteiro, os rumores de que Paul McCartney teria morrido. John Winston Lennon nasceu num 9 de outubro, há 40 anos, numa manhã em que Liverpool sofria um pesado ataque de bombardeiros alemães. Com a separação dos pais, o menino foi morar com sua tia Mimi. Desta ficou a frase célebre, quando censurava o sobrinho já adolescente por seu exagerado apego à Música: “Tocar guitarra é bom para se distrair, John, mas você nunca irá ganhar dinheiro com isso.” Em fins dos anos 50 John, Paul, George integravam um grupo de Liverpool, The Quarrymen, que copiava os ídolos do rock’n’roll americano. Em 1961, os três passavam uma temporada tocando com um quinteto em Hamburgo e, no ano seguinte, ao formarem um quarteto com a inclusão de Ringo Star na bateria, nasciam os Beatles. O resto é história, mas algumas das suas canções – geralmente compostas pela dupla Lennon & McCartney – se tornaram tão populares neste século quanto as valsas de Strauss no anterior. Yesterday é a canção mais gravada de todos os tempos, com mais de mil versões. O LP Sergeant Pepper’s, de 67, já foi classificado como a Quinta Sinfonia da geração dos anos 60. Depois da separação dos Beatles, em 70, os quatro seguiram diferentes caminhos, Paul escolheu o rock-goma-de-mascar, música para adolescentes, enquanto Lennon se mostrou o mais consistente e politizado, em álbuns como Imagine e Sometime in New York City.
John sempre atuou como porta-voz do grupo e, em certas ocasiões, chocou o mundo com declarações controvertidas, como ao afirmar que os Beatles eram mais populares do que Jesus Cristo. Mas nunca suas frases foram tão francas e incisivas como na famosa entrevista à revista Rolling Stone (aquela do sonho acabou), publicada em duas partes, em dezembro de 70 e janeiro de 71. Nela, estas palavras, talvez proféticas: “Estou cansado de todos estes hippies agressivos, desta nova geração ou seja lá o que for, uma gente muito grilada comigo, nas ruas, pelo telefone, exigindo atenção, como se eu lhes devesse alguma coisa. Estou cansado deles, eles me assustam, um bando de maníacos grilados saindo por aí fantasiados de fãs dos Beatles...,” E, numa entrevista dada há dois meses a Bárbara Graustark, na revista Newsweek, outra afirmação que vai dar muito o que falar: “Eu estava muito assustado para sair do meu palácio. Foi o que matou Elvis Presley. O rei é sempre morto por teus cortesãos. Yoko me mostrou o que significa ser Elvis Beatle e estar rodeado de escravos, cujo maior interesse era manter a situação exatamente como estava: uma espécie de morte. E foi assim que os Beatles terminaram.”

Os últimos dias foram de trabalho para John Lennon. Após cinco anos de inatividade, seu novo LP – Double Fantasy, celebrando sua vida com Yoko e o filho Sean – chegava às lojas e ele já trabalhava no álbum seguinte, no estúdio The Record Plant. A milhares de quilômetros de distância, Mark David Chapman, 25 anos, guarda de segurança desempregado, comprou em Honolulu uma arma de cano curto, calibre 38. Ao chegar a Nova Iorque, há duas semanas, Chapman se hospedou por algum tempo na Associação Cristã de Moços. Por alguns dias, seguiu John Lennon pelas ruas de Nova Iorque. Na noite de segunda-feira, depois de atingi-lo com vários disparos na entrada do Dakota, Chapman foi interpelado pelo porteiro do edifício, que disse:” Você sabe o que acaba de fazer?” O rapaz respondeu: “Acabo de atirar em John Lennon.” E jogou a arma na calçada. É um relato policial como muitos, mas as pessoas envolvidas o fazem entrar direto para a mitologia pop do século 20. Não demora muito e surgirão nas reuniões de pauta da grande imprensa sugestões de reportagens como “Que fazia você no dia em que John Lennon foi assassinado?” Na bolsa do hit parade, os Beatles e as canções de Lennon voltam a subir de repente com força total. Edições e projetos especiais estão sendo bolados pela engrenagem do consumo. Nada disso, porém, conseguirá devolver a uma geração inteira pelo mundo afora, aquele que foi não apenas o seu ídolo, mas a voz da sua consciência num período crítico da história.
Roberto Muggiati

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